MARCELO MÁRIO DE MELO -
Os vaga-lumes persistentes.
A Verdade fez uma visita clandestina à Cidade da Mentira Cimentada. Andou por ruas, praças e edifícios, detendo-se em monumentos e jazigos construídos sobre o pó da palavra cristalina.
No Vale do Alvorecer teve encontro com a legião dos Vaga-Lumes Persistentes. Eles foram chegando e se juntando em nuvem de luz que se elevou e a envolveu. Mas sem a força para suportar seu peso e transportá-la às alturas.
A Verdade lhes disse que teriam de se empenhar mais, atravessando o tempo, multiplicando-se e alargando a nuvem. Até formarem o palco em que ela, um dia, no cenário da linha do horizonte, sob as cores do arco-íris e coroada com raios do sol, retiraria a máscara, o manto, a roupa, mostrando o corpo nu incandescido.
Nesse momento os vaga-lumes se transformariam em estrelas. Então as consciências se acenderiam e seria demolida, pedra a pedra, a Cidade da Mentira Cimentada, construindo-se a Cidade-Luz. Até lá, sendo indispensável a persistência dos Vaga-Lumes, multiplicando-se e alargando a nuvem toda a vida.
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ANSEIO DE AMOR
Não quero
um amor construído
como se comprasse um terreno
e contratasse os projetos
de arquitetura e engenharia
um amor
pré-cozido
congelado
guardado na geladeira
e posto no micro-ondas
a ser servido
um amor
de partitura
oficina
ensaio
para apresentação inaugural.
Quero um amor
que apareça
e vá se descobrindo
como livro de história
e cidade nova
um amor
que se desenrole
em conversa na esquina
encontro na praça
andança
& festança
um amor
de olhos nus
que desembaralhe
as cartas na mesa
e se desfolhe
como uma rosa
em strip-tease
soltando as pétalas
um amor normal
muito normal
mas tão normal
que acolha com normalidade
todas
as anormalidades
poéticas
da vida.