Por MAURO RAMOS -
Projeto Novo Recife prevê a construção de 13 torres de até 40 andares no histórico Cais José Estelita. Fotomontagem: TIS. |
Quando os
atores e diretores de Aquarius pisaram no tapete vermelho, no festival de
Cannes, na França, com cartazes denunciando que estava acontecendo um golpe à
democracia no Brasil, estava ali um indicativo de que a resistência é a maior
arma de luta e que nenhuma causa pode ser considerada perdida, nem mesmo um
golpe. Assisti a Aquarius esse fim de semana e deixei a sala do Caixa Belas
Artes (SP) com essa certeza. Nasci em Recife, onde vivi minha infância e juventude.
A praia de Boa Viagem era meu habitat natural e sua orla, há 40 anos, era
muito, mas muito diferente da orla de hoje. Aquarius denuncia como aconteceu
essa transformação e a rendição de Recife à especulação imobiliária.
O roteiro de Aquarius é empolgante, envolvente e
melancólico. Mas é real. Mostra, também, a existência de uma geração de
diretores e cineastas comprometidos com as questões sociais: ¨os governos
Federal e Estadual são os maiores anunciantes do jornal, depois vem essa
construtora¨, diz um jornalista numa conversa com Clara (Sonia Braga), numa
constatação clara de que o jornalismo, em alguns casos, é cúmplice de
interesses que não são necessariamente os da sociedade. A religião, mesmo que
subliminarmente, numa cena de Aquarius em pouco mais que 60 segundos, também mostra que tem lado e que não é necessariamente o da salvação, mas, em casos
raros, de quem pode dar um dízimo mais gordo.
Ao lado de tudo isso, Aquarius é um filme
maravilhoso. Com uma brilhante atuação de Sônia Braga, sem dúvida a melhor de
todos os filmes que assisti tendo ela como protagonista. A história se passa no
Edifico Aquarius, o último pequeno prédio da Avenida Boa Viagem. O apartamento
onde Clara (Sônia Braga) mora ela herdou da tia, que ali viveu anos de
felicidade e luxuria (as cenas de sexo em flash back, muito tímidas por sinal,
levaram a censura do filme para maiores de 18 anos e depois revertida para 16
anos).
Clara escritora e agora viúva, mãe de três
filhos, aposentada, aos 65 anos é a última moradora do prédio, onde todos os
apartamentos foram comprados por uma construtora que quer ali erguer um
espigão. Ela resiste vender o seu. Resiste até mesmo à pressão de Paula, sua
filha, que havia sido cooptada pela construtora. A sequência mostra a luta e
resistência de Clara para fazer valer seu direito. A resistência de Clara,
guardando as devidas proporções, pode se comparar à resistência francesa em
defesa da ocupação de sua pátria pelos alemães... Mas a simplicidade, dignidade
e a certeza de que algo de errado está acontecendo, faz com que dois peões da
construtora que quer demolir o Aquarius, forneçam a munição que Clara necessita
para desmascarar a construtora. Vamos aguardar os próximos passos... Que a
resistência e luta de Clara sirva de exemplo ao povo recifense na luta contra
os especuladores que querem construir 13 torres do terror no histórico Cais
Estelita.
Aos governos, estadual e municipal que se deixam cooptar pelos
especuladores do setor imobiliário, um conselho: vão conhecer a Cidade das
Artes em Valencia, na Espanha e descubram de que lado devem ficar.
* Mauro
Ramos, jornalista.