Por PACO URONDO -
Vejam poesia escrita por Paco Urondo, em plena ditadura militar argentina (1973-76) e tão atual para os tempos de golpistas brasileiros.
Em primeiro lugar, não se desespere.
E em caso de agitação não siga as regras que a repressão quiser impor.
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros,
os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha.
Defenda-se.
Contra a estética, ética.
Esteja sempre atento.
Não lhes bastará empobrecê-lo, e vão querer subjugá-lo na sua própria tristeza.
Ria ostensivamente.
Tire sarro: a direita é mal comida!
Será imprescindível jantar juntos, a cada dia, até que a tormenta passe.
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Diga para o compa: bom dia, por favor e obrigado.
E tomar no cu, para os de cima.
Atire tudo o que puderes, mas nunca sozinho.
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre-se que os artistas serão sempre nossos.
E o desprezo será eterno para o bando de impostores que os acompanham.
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos prontos.
Cuidemos dos jovens, que "eles" vão querer poda-los.
Só é preciso preparar-se bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter sempre à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais, como vacina contra a angústia diária.
Ser generosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos com os traidores.
E, mesmo com estes, ter o perdão quando acabarem com suas ilusões.
Aqui ninguém sobrará.
E, para isto , ser perseverantes e tenazes,
escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda que sustentados na teimosia se a fé desmoronar.
Nisso, não haverá trégua para ninguém.
A poesia dói para esses filhos da puta!.
* Enviado por e-mail ([email protected])
— Paco Urondo (1930-1976). Escritor, jornalista, poeta, militante político e guerrilheiro montonero. Foi assassinado em Mendoza, em 17 de junho de 1976. Teve três filhos, e a filha Claudia, foi também assassinada pela ditadura militar em 1976.